EL GATO MONTÉS no TEATRO NACIONAL DE S. CARLOS.
Nos próximos
dias 7 e 9 de março, o Teatro Nacional de São Carlos apresentará ao público El
Gato Montés, do compositor espanhol Manuel Penella. Uma peça marcada por
peripécias ao longo da sua história, envolvendo ciúmes e tiroteios, imprevisíveis
azares e acasos da sorte. Tragédia no palco, esta zarzuela foi acompanhada na
vida real por acontecimentos não menos marcantes. Agora, 97 anos depois da
estreia, a obra estará em Lisboa, trazendo consigo ciganos e toureiros, exaltações
amorosas, ciúmes, morte e muita dança. Coincidindo com a entrada em funções da
nova administração do OPArt, presidida por José António Falcão (os outros
vogais são Adriano Jordão, que transita da equipa anterior, e João Rodrigues
Consolado), a estreia em Lisboa de El Gato Montés é, igualmente, uma forte
aposta artística do TNSC. E uma demonstração da vontade, por parte da
instituição, de garantir ao público uma programação regular de qualidade, equiparável
aos teatros congéneres europeus, sem esquecer as especificidades nacionais e,
no caso, peninsulares. A história de El Gato Montés é tão dramática quanto a
sua narrativa. Era uma terça-feira 13, dia aziago, segundo crença muito
difundida entre os espanhóis, a data prevista para a estreia de El Gato Montés
no Teatro Apolo de Valência, no ano de 1917. Reinava, então, Afonso XII. Talvez
alguém mais supersticioso tivesse antecipado que algo poderia correr mal. E, de
facto, correu: no decurso do ensaio geral, o assistente de cenografia feriu
acidentalmente o protagonista (o barítono Manuel Rusell) ao realizar os disparos
da cena final. Devido a isto, a ópera só estrearia a 22 de fevereiro, mas num
outro local, o Teatro Principal, muito prestigiado e com mais história que o Apolo.
As principais autoridades de Valência assistiram a esta récita, todo um
acontecimento social, cuja receita reverteu a favor da construção de um
monumento de homenagem a Salvador Giner, mestre de Penella. O triunfo foi
apoteótico e o público levou literalmente o compositor em ombros.
A temporada
reiniciou-se no Apolo, no dia seguinte. Mas, a 25 de fevereiro, os tiros
regressaram e, já fora do palco, assistiu-se a outra tragédia passional;
durante a sessão que antecedeu El Gato Montés, um pintor afamado disparou sobre
um jovem aristocrata, no foyer, e fugiu pelos bastidores. Nessa mesma tarde, a
vítima e o seu “matador” – assim denominado pela imprensa – desafiaram-se à
saída de uma tourada por causa de uma cantora de cuplés, Rosita Rodrigo (que,
alguns anos depois, tornará conhecido o bolero Júrame...). Porém, a ópera
manteve-se em cartaz até 3 de abril, com quase 50 récitas consecutivas. Embora
grande parte da crítica da época tenha julgado a peça de forma severa, o sucesso
junto do público de El Gato Montés alcançou contornos lendários até no seu longo
périplo americano. A partir de 1920, chegaram ecos do seu incrível êxito no México.
Traduzida para inglês, The Wild Cat chegará às 100 representações no Park Theatre
da Broadway, entre dezembro de 1921 e fevereiro do ano seguinte. O público nova-iorquino
aplaudiu Conchita Piquer, com apenas quinze anos, no papel de florista (segundo
ato), com um número acrescentado para que pudesse brilhar: El florero. Mais: Penella
acedeu a alterar o final para criar um happy end à americana – Soleá e o Gato casam-se
e comem perdizes! Em setembro de 1922, a ópera chegava ao célebre Teatro Avenida,
de Buenos Aires. Com tantos sucessos líricos e teatrais, a obra cedo passaria
para o grande ecrã. Em 1924, a Paramount ofereceu 25.000 dólares (uma fortuna,
na época) pelos seus direitos e filmou uma adaptação muito livre: Tiger Love.
Mais fiel ao original seria a versão cinematográfica de Rosario Pí para
CIFESA-Star Film (1935-36), primeiro filme comercial realizado por uma
espanhola. esperar 30 anos para que a Associação de Amigos da Ópera de Madrid
recuperasse este título para duas únicas récitas (Teatro da Zarzuela, 1969), no
âmbito do seu VI Festival de Ópera. Apenas o apoio de Plácido Domingo e o
contexto comemorativo da Expo’92 permitiram resgatar a peça do esquecimento
definitivo. Revista pelo maestro Roa, encenada por Emilio Sagi e gravada pela
Deutsche Grammophon, o público de ambos os lados do Atlântico (re)descobre
então, maravilhado, que El Gato Montés é muito mais do que um pasodoble.
Agora em
estreia no Teatro Nacional de São Carlos, o público português pode assistir a uma
produção encenada por José Carlos Plaza, com direção musical de Cristóbal
Soler,interpretações de um notável elenco de solistas e bailarinos espanhóis e
portugueses,acompanhados em palco pelo Coro do Teatro Nacional de São Carlos e,
no fosso, pela Orquestra Sinfónica Portuguesa. O projecto foi inaugurado em
Madrid, no Teatro de la Zarzuela, em 2012, e ganhou o prémio lírico Campoamor
de Oviedo para “melhor produção de ópera lírica espanhola e de zarzuela”.
Apresenta-se agora, em Lisboa, com o apoio de Acción Cultural Española, no
âmbito da colaboração entre os dois teatros nacionais. No momento em que se
completam quase 97 anos sobre a sua première mundial em Valência, este Gato dá
provas de que tem ainda muitas faenas por lidar…de volta à arena! Ou, melhor
dizendo, aos palcos.MANUEL PENELLA, UM MESTRE DA AÇÃOManuel Penella nasceu em
Valência, a 31 de Julho de 1880, e iniciou os estudos de solfejo e harmonia com
o pai, compositor e diretor de coros. Devido a um acidente na mão esquerda,
abandonou os estudos de violino, concentrando-se na composição. Entre os 17 e
23 anos de idade, viajou por vários países da América, onde exerceu ofícios de
alfaiate, empregado de mesa, toureiro, pintor, palhaço de circo ou marinheiro…
No Chile, casou-se com Emma Silva Pávez.De regresso a Espanha, colaborou com
diversas companhias de zarzuela e desenvolveu uma atividade muito intensa de
composição de óperas, operetas, zarzuelas e vários subgéneros de teatro popular
espanhol, destacando-se a ópera buffa, Don Gil de Alcalá(1932), a sua obra mais
famosa. Morreu a 24 de janeiro de 1939, em Cuernavaca(México), quando ia
supervisionar a música do filme El capitán aventurero, interpretada pelo famoso
tenor mexicano José Mojica, baseada precisamente na óperaDon Gil de Alcalá.