Noite histórica no Campo Pequeno

Na passada quinta-feira escreveram-se várias páginas de história da praça do Campo Pequeno e também do toureio a pé em Portugal. Começando com um cartel fora do vulgar, porque o que vai sendo habitual começa a saturar e as bancadas ressentem-se, anunciado como ‘mano a mano histórico’: Diego Ventura, figura incontornável do rejoneio e Julián Lopez, El Juli, primeiríssima figura do toureio a pé.
A praça Lisboeta não esgotou, mas esteve muito perto disso. ‘Pontinhos vermelhos’ aqui e ali, mas uma belíssima moldura humana que até dá gosto ver.
Diego Ventura abriu a noite com o Passanha, e talvez a melhor lide do rejoneador. Parecia ter feito, por completo, as pazes com a aficion Lusa. Sem grandes ‘alaridos’, mas com recortes de maravilha e a pisar terrenos que pareciam impossíveis, deixou uma série de curtos de grande qualidade e emoção. Fez parecer fácil! O seu segundo, recebido de garrocha em punho, era o Vinhas, mas, por apresentar problemas de locomoção, recolheu aos curros e saiu o de Guiomar Cortes Moura que cedo descaiu para tábuas. Com a mesma vontade e entrega que no anterior oponente, apostando nos quiebros ‘sacou’ fortes ovações. Terminou com um par de bandarilhas e dois palmitos de violino. Em terceiro lugar saiu o sobrero da ganadaria Vinhas de escassa transmissão. Diego Ventura puxou dos galões e sacou do toiro o pouco que tinha para dar, alcançando um meritório triunfo. O rejoneador chamou David Gomes que ocupava o lugar de ‘sobressalente’. O cavaleiro evidenciou, num cartel de gigantes, não ter medo de ‘grandes palcos’ e deixou dois curtos de boa nota. Para surpresa dos presentes na praça, as prestações de Diego Ventura não ficaram por aqui: ofereceu o sobrero de Passanha, fechando com este a noite. Infelizmente, não acrescentou nada de novo ao que já tínhamos visto. Não foi premiado com música e certamente não foi a lide que desejaria.
Apesar de um cartel mais ‘espanholado’, a tradição portuguesa não se esquece. A nobre arte de pegar toiros ficou a cargo do Grupo de Forcados Amadores de Montemor. Francisco Borges consumou a primeira pega da noite, de boa reunião e boas ajudas, ao primeiro intento. João Braga concretizou à terceira depois de na primeira tentativa não ter aguentado os derrotes e na segunda o toiro ter baixado a cara na viagem. Francisco Bissaia Barreto efectivou à primeira uma pega rija. Manuel Ramalho consumou à primeira tentativa aguentando os derrotes do Passanha.
O triunfo maior foi de Julian Lopez, El Juli. El Juli mostrou um respeito enorme pela praça do Campo Pequeno e pela sua aficion, entregou-se, inspirou-se e os olés foram surgindo. E há lá melhor música para acompanhar uma faena do que os olés que saem da alma… As gentes efusivas. As bancadas vibraram e emocionaram-se. O Campo Pequeno esteve com El Juli, e El Juli esteve com o Campo Pequeno. Todos sabemos o estado do toureio a pé em Portugal, muitos argumentam que está morto e que não enche praças. Quem esteve em Lisboa sabe que isto não é verdade. É tão bonito ver as bancadas do Campo Pequeno rendidas ao toureio de El Juli. Para a lide a pé saiu um toiro Garcigrande e dois Domingo Hernandez. Frente ao primeiro, um nobre Garcigrande, começou por verónicas rematadas com uma média e depois chicuelinas, de muleta de notar duas séries de derechazos, sempre inspirado e de uma emoção que contagia. O segundo foi por onde o matador quis e como quis, Juli ‘fez’ o toiro. Chamou o português António João Ferreira para que se pudesse luzir por gaoneras. No terceiro e último, outro nobre Domingo Hernandez, Juli começou por visualmente espectaculares lopecinas que fizeram as delícias do público. Foi Juli quem bandarilhou, por ‘exigência’ das bancadas. De dizer que o tércio de bandarilhas nos restantes toiros foram irregulares, não porque tenha uma má quadrilha, mas sim porque as nossas corridas são incompletas e a ausência de varas faz com que os bandarilheiros não habituados a toiros sem terem sido picados se retraiam um pouco no momento da ‘verdade’. El Juli brilhou e que de maneira a bandarilhar o seu último toiro. Público de pé e ovações extraordinárias. O matador esteve por cima do oponente, tal como nos restantes toiros. El Juli foi premiado com seis voltas à arena (uma no primeiro, duas no segundo e três no terceiro) e a Porta Grande do Campo Pequeno abriu-se!
As faenas sublimes, de uma entrega desmedida e de uma emoção inigualável justificaram o triunfo e a abertura da porta grande, mas também o respeito que mostrou, o carinho pela aficion Lusa e a vontade de não defraudar contribuíram e muito para que o público exigisse voltas atrás de voltas que seriam o ‘passaporte’ para a Porta Grande. Olé, El Juli! E já agora, obrigada!
Dirigiu com exigência e correcção o Sr. Pedro Reinhardt.

Lisa Valadares Silva