Ainda vives a emoção da tua castiça praça.

A todos os que lerem as linhas que se seguem,

A todos os aficionados,

Deixem-me que desta vez escreva com o coração porque a tarde de Domingo em Vila Franca foi, sem dúvida, uma tarde de muita emoção.

Desde que o cartel saiu à rua que fui sonhando com a tarde do dia 1 de Maio. Quem me conhece sabe que para mim um dia de toiros na praça da minha terra é quase como um dia sagrado. Ali na Palha Blanco sinto tudo de uma forma especial, de uma forma diferente, sinto mais intensamente. 

A Palha Blanco compôs-se de gentes. A tarde era de homenagem. Mais que merecida homenagem a esse grande senhor e último romântico da festa: D. Fernando Palha. Quem olhou para o camarote da Santa Casa da Misericórdia deu pela sua falta. Figura emblemática da festa dos toiros, figura emblemática de Vila Franca de Xira. Não esteve fisicamente mas acredito que do mais alto camarote assistiu à corrida com o seu sombrero ligeiramente inclinado e alegrou-se decerto com aquele quarto toiro da sua ganadaria que saiu ao redondel vilafranquense, esse bravo Palha. 

Os cavaleiros foram António Ribeiro Telles, Manuel Telles Bastos e Francisco Palha. 

António Ribeiro Telles abriu a tarde com um exemplar David Ribeiro Telles que não estava a concurso porque o Branco Núncio inutilizou-se. O cavaleiro andou correcto e a gosto, muito ao estilo que conhecemos de António Ribeiro Telles. Exceptuando um toque na montada que sofreu durante a colocação dos curtos. O público ‘apagou’ isso e concentrou-se na entrega do cavaleiro e na vontade de fazer bem feito. Mas a história que quero contar é a da lide do quarto da tarde: um Palha jabonero bravo. O mestre deu uma lição! E que lição! A experiência que leva permitiu que aproveitasse todas as qualidades do oponente e foi um recital de boa poesia. Uma obra de arte! Ainda hoje vivo aquela lide e sinto aquela lide. Uma lide completíssima. Da brega ao cite, do cravar ao rematar tudo foi bem feito. Continuo a aplaudir de pé! Se Deus me tivesse feito cavaleira, queria um dia saber tourear assim!

Manuel Ribeiro Telles Bastos começou por lidar o mais pesado da corrida, o Passanha Sobral acusou 630kg, tinha andamento e arrancou-se para a montada. Foi com o Passanha Sobral que Manuel Telles Bastos teve os seus melhores momentos. Houve uma série de curtos com os quais continuo a sonhar. Três curtos três. A forma como desenhou as sortes, a forma como cravou e como rematou. Entrou nos terrenos do toiro e cravou como vem escrito nos livros, ao estribo. Olé Manuel Telles Bastos, olé! Com o segundo que lhe coube em sorte, um exemplar de David Ribeiro Telles que tinha qualidade, andou um bocadinho mais ‘apagado’. Recebeu-o muito bem, aguentou a perseguição da montada, andou toureiro, mas sem rebentar como tinha acontecido antes.

Francisco Palha completava o cartel. Vestia-se de forma diferente, com uma gravata, uma cinta, sem renda na casaca e um colete, uma série de diferenças. Concluí que se vestia assim porque vinha para marcar a diferença. O primeiro que toureou era de António Silva e cedo descaiu para tábuas. O cavaleiro descobriu-lhe os melhores terrenos e em sortes sesgadas deixou uma série de curtos que primaram pela correcção e emoção. O público reconheceu-lhe o mérito e o valor com fortes aplausos. Fechou a tarde com um exemplar de Canas Vigouroux que cumpriu sem causar grandes dificuldades. A colocação dos curtos foi feita quase sempre nos mesmos terrenos. Como se costuma dizer “equipa que ganha não se mexe” e foi isso mesmo que o cavaleiro fez com o Canas. Viu que dali se arrancava e ali o toureou até ao fim. Terminou com dois curtos de grande qualidade e terminou em bom a tarde.

Em praça estiveram os forcados de Vila Franca de Xira e das Caldas da Rainha.
Pelos da terra, Vasco Pereira consumou à sexta tentativa a primeira pega da tarde depois do exemplar de David Ribeiro Telles ter dificultado a vida ao grupo da casa. O experiente Ricardo Patusco ‘despachou’ à primeira tentativa a terceira pega ao toiro de António Silva que viajou com a cara por baixo. Francisco Faria pegou o que pertencia à ganadaria David Ribeiro Telles e com um par de braços maravilha aguentou-se e consumou à primeira.

Pelas Caldas da Rainha, o cabo Francisco Mascarenhas prontificou-se para ir à cara do mais pesado da tarde e concretizou à primeira aquela que, para mim, foi a pega da tarde. Lourenço Palha foi à cara do exemplar de Palha e o momento foi de emoção: não ficou na cara do toiro mas teve braços para se segurar e com a ajuda do grupo fechou-se e concretizou à segunda depois de ter visto a sua primeira tentiva desfeita. António Cunha pegou o Canas Vigouroux com sapiência e efectivou à primeira tentativa. 

Em disputa estava o Troféu João Villaverde para o melhor grupo de forcados em praça e que foi entregue ao Grupo de Forcados Amadores das Caldas da Rainha.

Estava também em disputa o prémio bravura que premiou o toiro Palha saído em quarto lugar. E o prémio apresentação entregue à ganadaria Canas Vigouroux.

E como diz o fado “Ainda vives a emoção da tua castiça praça”. Vila Franca não é melhor nem pior, é diferente!

Lisa Valadares Silva